sábado, 22 de março de 2025

O rock mais importante da minha geração

John Lennon foi o cara mais importante do século XX. Filósofos discordarão e apontarão seus pensadores prediletos, cientistas também discordarão e indicarão seus ídolos, mas eu sou um sujeito comum, sem profissão, nunca estudei ciência, tudo que sei aprendi por conta própria, não tive acesso aos acadêmicos, às escolas de pensamento e conhecimento, laboratórios. Cresci ouvindo Beatles e John Lennon e ainda hoje paro para pensar sobre algum verso de música popular com o qual me identifico. Agora mesmo tenho ouvido muito Noel Rosta, na interpretação magistral do Ivan Lins, e não canso de me impressionar com a sabedoria daquele compositor que nos deixou tantas obras-primas tendo vivido só 26 anos. John Lennon viveu mais um pouco, viveu os anos extraordinários do século XX, as décadas de 50, 60 e 70, quando tudo foi questionado pelos jovens. 

Escrevi esse nariz-de-cera para dizer que God é o mais importante rock porque nele John diz que não acredita em ninguém, e cita uma longa e quase completa lista de ideólogos, de Jesus a Hitler, de Elvis a Beatles, para afirmar em seguida que só acredita nele, nele e em Yoko. Nessa canção que foi epígrafe do meu 1972 (e que na revisão vou ampliar), John mostra mais uma vez que sabia das coisas, que tinha uma antena sensível para o que acontecia ao seu redor, ao seu mundo, ao nosso mundo, à nossa época. De fato, trata-se de acreditar, seja em Bob Dylan, o magnífico poeta enganador, seja em Buda, o grande meditador, para citar mais dois ídolos, um contemporâneo, outro buscado na antiguidade oriental, que iludiram os jovens da segunda metade do século XX. John compreendeu isso e afirmou – na canção e na sua vida posterior – que só acreditava nele – nele e na Yoko. 

Não poderia nos dizer nada mais importante do que isso, para acreditarmos apenas em nós mesmos, e em nenhuma ideologia, nenhum profeta. Ao incluir Yoko, ele afirma também o amor, mais uma vez, esse amor romântico e incondicional celebrado em algumas das mais belas baladas do rock, o que significa acreditar em alguma coisa mais, uma contradição, mas a contradição é inerente ao humano, e que bom que, naquele período interrompido violentamente, ele pôde “ser feliz com sua Maria”. O que importa é que John Lennon entendeu o essencial da condição humana e a traduziu nesta canção para que pudéssemos compreender também. 

Acreditar, é isso a ideologia. Nós acreditamos e vamos em frente. O que a civilização faz é nos ensinar a acreditar, desde que nascemos. A ideologia, o conjunto de crenças que aprendemos enquanto crescemos, é o que nos faz funcionar e, por meio de nós, o mundo. Acreditar em si mesmo é o primeiro passo para superar uma civilização na qual estamos todos escravizados. 

O trabalhador é um escravo, porque não é dono do seu tempo. O humano que não é dono do seu tempo é um escravo. E então somos treinados, desde que nascemos, para justificar a escravidão, para aprender a não ser donos do nosso tempo, fazer o que não queremos, fazer o que outros querem, o que as autoridades querem, mandam, ordenam, obrigam. As autoridades são os porta-vozes da ideologia que faz o sistema funcionar.